sábado, 23 de março de 2013

Leitura antes dos seis anos


Não conheço uma só criança que não goste de ler. Há, sim, muitas que não conseguem, ou leem com dificuldade. E, para despertar o pequeno leitor, o componente indispensável é justamente a fluência na leitura. Normalmente, aos seis anos, quatro meses bastam para todo o processo. Porém, ler antes dessa idade significa ter mais tempo para aprimorar o aprendizado. Pequenos livros infantis são necessários para a continuidade da leitura. Aos poucos, as palavras organizam-se em pequenas frases e depois em textos, resultado natural da leitura constante.

Sofia, 6 anos
“Meu direito eu não largo” (Escala Educacional)

Vinte dias foram suficientes para Sofia aprender a ler, entre janeiro e julho de 2011, aos quatro anos e meio de idade. Ao completar as nove etapas da alfabetização, lia pequenos livros infantis com certa fluência e escrevia várias palavras espontaneamente. As primeiras surgem como um desenho, em qualquer lugar na folha de papel, até as letras terem formas definidas. 
Sofia, 4 anos

O alfabeto móvel, bastante utilizado no inicio da alfabetização, é substituido gradativamente pela escrita manual, dependendo da coordenação motora de cada criança. Normalmente, a escolha das palavras é também da criança, de acordo com as etapas da aprendizado. Podem ser nomes de objetos, de animais, imagem de livros infantis ou palavras de seu vocabulário. 

Na aprendizagem em grupo, a escrita manual desenvolve rapidamente, a partir da observação das letras do alfabeto móvel e do aprendizado da leitura, mas também com o que as crianças  aprendem umas com as outras. 
Maria Helena, 5 anos
Aprendizagem em grupo
Marcos, 5 anos
Aprendizagem em grupo

O vocabulário e a capacidade de se expressar é um diferencial determinante na aprendizagem, mas nada justifica 200 dias letivos no 1º ano do Ensino Fundamental, se nem a meta ler e escrever é atingida.


terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Alfabetização sem Sequelas

Ensinei a ler pela primeira vez em 1995, embora a intenção fosse apenas distrair uma criança bem pequena — uma brincadeira que se revelou um aprendizado consistente. No inicio, as letras significavam apenas formas coloridas de madeira. Aos poucos, relacionar cada letra a palavras do cotidiano tornou-se parte da brincadeira diária: onde está a letra do papai? E a do gato? E a letra do violino? 


Em algum momento comecei a juntá-las, formando palavras. A brincadeira começou a ter mais interesse, embora, na época, sequer imaginasse algum resultado. Meses depois, surpreendeu-me ver que ele formava qualquer palavra praticamente sozinho. Então, para certificar-me se também podia ler, selecionei várias palavras e escrevi em fichas. Foi o início da leitura, meses antes de completar três anos de idade.

Ivan, 3 anos

Em 2006, procedimento semelhante foi repetido com uma criança de sete anos e, a partir de 2008, com várias crianças entre quatro a doze anos de idade, em pequenos grupos ou individualmenteO tempo de aprendizado é quase sempre a única diferença. A partir do primeiro contato com o alfabeto móvel até o momento em que a criança inicia a adquirir fluência na leitura, normalmente transcorrem-se de 4 a 20 horas, diluídas em algumas aulas, dependendo da idade e das condições dadas ao aprendizado. Quanto menores, mais o processo de aprendizado precisa ser divertido, interessante e totalmente livre, como uma brincadeira.

Nicoy, 4 anos

Todo o processo de alfabetização tem como base o som das letras, selecionadas criteriosamente a cada uma das nove etapas que compõem o aprendizado da leitura. A formação do leitor é o principal objetivo e, nesse contexto, a aquisição da escrita acontece espontaneamente, como consequência natural da leitura constante. E, como o desenho livre é a única atividade que desenvolve naturalmente a coordenação motora para escrever, são indispensáveis dois fatores: ler e desenhar.  

 Ivan, 3 anos: poucos traços, mas com movimento

As nove etapas da alfabetização organizam a sequência exata de sons e de letras apresentadas a cada momento, agilizando e simplificando o aprendizado da leitura. Para a criança de seis anos ou menos, é a certeza de um aprendizado consistente. Para o aluno com dificuldades na continuidade do Ensino Fundamental, pois lê mal ou mesmo não lê, é a perspectiva de uma real transformação em sua vida escolar. 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Livro


“Poemas não são de quem escreve, mas de quem precisa deles”.
                                                O Carteiro e o Poeta, de Michael Radford


Há poucos dias me deparei em uma situação desconfortável: estar frente a prateleiras de livros e não saber o que escolher. Bem mais fácil nas seções de literatura infantil, mas quero escolher para mim, descobrir outro Machado, quem sabe, que me devolva o prazer de sermos só nós dois, eu e o livro.

Passei os olhos e as mãos e vi que desconheço a maioria dos novos autores brasileiros. Escondido em meio a tantos volumes, encontrei  Livro”. Senti as pequenas letras em relevo da capa, quase amor à primeira vista — LIVRO, romance de José Luís Peixoto, escritor português, perdido na estante de literatura brasileira. 


          “A mãe pousou o livro nas mãos do filho. Que mistério. O rapaz não conseguia imaginar um propósito  para o objeto que suportava. Pensou em cheirá-lo, mas a porta do quintal estava aberta, entrava luz, havia muita vida lá fora. O rapaz tinha seis anos, fugiu-lhe a atenção, distraiu-se, mas não se desinteressou pelo livro, apenas deixou de o interrogar enquanto objeto em si, começou a questioná-lo de maneira muito mais abstrata, enquanto intenção, enquanto sombra de um ato”.        
José Luís Peixoto: Livro. Companhia das Letras, 2012.


Seis anos e um livro. Reler esse início fez-me lembrar que Sofia completa seis anos e que amanhã volto às prateleiras de livros infantis. Ler aos cinco anos, aos quatro, por que não? Para cada idade, um universo de sonho e imaginação. Lobato na infância, Machado de Assis, eterno. Hoje, José Luís Peixoto. LIVRO, desde o título, despertou minha curiosidade, como também o livro que Ilídio recebe da mãe. Lembro de Elza de Moura, educadora mineira, justificando a dedicatória que não fez: “Livro não tem dono, você lê e passa adiante”. Realmente, livros são de quem precisa deles.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Hipóteses



Hipótese é uma formulação provisória com intenção 
de ser demonstrada, uma suposição admissível ou não.


Há bastante tempo procuro compreender o significado das hipóteses colocadas constantemente em textos relacionados à alfabetização — hipótese silábica, hipótese alfabética, hipótese conceitual, hipótese que gera inúmeros conflitos cognitivos! Em mais uma tentativa, fiz o teste de conhecimento direcionado a alfabetizadores, Interpretação de hipóteses da escritano site da revista Nova Escola (teste removido). 

Admiro quem consegue decifrar o significado dessas sequências escritas. Para mim, o enunciado já é um enigma. Enigma me faz lembrar Conan Doyle e da capacidade de dedução de Sherlock Holmes: simplificar o que parece um problema insolúvel. Entretanto, o que vejo nesses exercícios é o oposto: complica-se o que é simples. Confira as teorias de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky inspiradas em Piaget: A gênese da língua escrita

Analisando o resultado do aprendizado de algumas crianças que iniciaram comigo o processo de alfabetização, constato que não houve necessidade alguma de exercitar minha capacidade de dedução.


Quando escrevem
TATU quer dizer tatu, 
SOPA quer dizer sopa, 
ABACAXI significa 
simplesmente abacaxi!





Edson, 5 anos 
Gabriel, 5 anos

E quase sempre posso identificar o autor pelos traços das letras, mesmo que não escreva seu nome. É o que acontece quando se permite ser diferente. 









Kauã, 5 anos, 
inconfundível!







Maria Helena, 4 anos


 Francielly, 5 anos



O desenho totalmente livre desenvolve a coordenação motora para a escrita manual. E tudo é feito com prazer e capricho, pois a escolha é de cada um. Sugerir cópias de letras e desenhos iguais é desprezar a imensa criatividade e capacidade de aprendizado de uma criança. 



 Maria Eduarda, 5 anos



Luis Gustavo, 6 anos

Todos os registros acima foram feitos entre 18 de fevereiro e 2 de junho de 2010, durante um breve convívio com um grupo de 23 crianças — ao todo, 22 horas em 32 dias. Ao final, a maioria podia escrever palavras simples e iniciaram o processo de leitura. Alguns foram além, como Luis Gustavo, que leu qualquer palavra sugerida e até pequenos livros: estou treinando para ler em alta velocidade, foi o que disse na última vez que nos encontramos. 

Tenho que considerar a hipótese do aprendizado impecável dessas crianças ter sido uma mera coincidência e a facilidade para entender o processo da escrita uma simples obra do acaso. Mas qual o motivo de tantas não conseguirem ler? Há várias hipóteses. A que mais me intriga assemelha-se a um jogo de cabra cega, mas todos de olhos vendados — quem procura não encontra e quem deve orientar também não vê.

domingo, 15 de abril de 2012

Ler, ler!

Ler é exatamente transformar letras em sons e juntá-los formando palavras, ou seja, decifrar a escrita. Nada de novo até esse ponto. Na Antiguidade, os alunos eram alfabetizados aprendendo a ler textos escritos e depois copiando-os exaustivamente. Entretanto, muitas pessoas aprendiam a ler sem ir para a escola, já que não almejavam tornarem-se escribas” (CAGLIARI, 2010)

“Aprender a decifrar a escrita, ou seja, ler, relacionando os caracteres à linguagem oral, devia ser o procedimento comum. Aqui, não era preciso fazer cópias nem escrever: bastava saber ler. Para quem sabe ler, escrever é algo que vem como consequência.” (CAGLIARI, Alfabetizando sem o Bá Bé Bi Bó Bu. Scipione, 2010)

Tenho visto crianças escrevendo espontaneamente, após um curto período de leitura contínua de livros infantis. As primeiras frases surgem pela simples vontade de se comunicar, exatamente como todos nós. E nada mais agradável que aprender os recursos da escrita com a leitura, a partir de frases curtas, observando a pontuação, até a construção de pequenos textos. 


O livro é a principal fonte de aprendizado para a criança, desde que adequado à sua idade, tendo o orientador a importante tarefa de selecioná-lo e apresentá-lo em seu dia a dia.


Ivan, 5 anos (1998)

Desde o início da aprendizagem, as crianças sabem exatamente o que é desenho e o que é escrita, podendo juntar as duas linguagens para compor o que pretendem comunicar. Ler e desenhar faz o processo da escrita acontecer naturalmente. E, para dúvidas ortográficas, a melhor solução ainda é a leitura. Então, o que justifica uma criança passar horas copiando letras, palavras, sem a certeza que estará lendo após todo esse desgaste?

Nicoly aprendeu a ler entre janeiro e abril de 2009, aos quatro anos e meio. Foram vinte encontros, totalizando, no máximo, cinco horas de “estudo”. Brincávamos com as letras em EVA, formávamos algumas palavras e ela desenhava. Algumas vezes, só desenhava. Ao final desse período, iniciou a leitura de pequenos livrosadquirindo bastante fluência em poucos meses. Ler sozinha, que prazer!

Nicoly, 5 anos: Chapéu de Palha, Mary França (Ática)

A leitura de crianças alfabetizadas após os sete anos apresenta resquícios da silabação, tais como: os sons das vogais A, E O (Á, É Ó) assimilados com ênfase desde a pré alfabetização, interferindo na leitura de palavras com os sons Ã, Ê e Ô (VÉRMÉLHA, NÁÓ, CÓR); o deslocamento da sílaba tônica de algumas palavras (MÁÇÃ, NÁÓ); e separação de vogais em uma mesma sílaba (NÁ-O, E-U, PO-IS). Mas, aos poucos, é possível ler fluentemente no próprio dialeto. 

Ainda há mais um desafio para essas crianças: equilibrar a possibilidade de leitura e escrita momentânea com o conhecimento exigido pela escola que, a todo instante, cobra resultados pelo que não proporcionou — uma alfabetização que possibilite ler e escrever com facilidade e segurança.

sábado, 7 de abril de 2012

Quando alfabetizar


Ao ler, transformamos automaticamente letras em sons. Juntamos os sons formando palavras, sem pensar que estamos o tempo todo decifrando letras. Mas, para o iniciante, identificar os sons de cada letra é ainda o primeiro passo rumo à leitura.

Desde a primeira vez que alfabetizei, as letras do alfabeto móvel sempre estiveram ao alcance das crianças, na mesa ou mesmo no chão, para que fossem tão atraentes quanto os brinquedos. A ideia de brincadeira remete a outra questão: qual a melhor idade para alfabetizar? 

Se a criança não sentir a diferença entre brincar e aprender, vale começar ainda bem pequena, com o aprendizado diluído em um período mais longo. Entretanto, se a alfabetização for um processo penoso, com inúmeros deveres na escola e em casa, não há momento adequado na infância que justifique tal intromissão em seu dia a dia. Resumindo, o fator mais importante é a maneira de conduzir a alfabetização.

Ensinei várias crianças a ler, quase todas entre quatro e doze anos de idade e apenas uma com menos de três anos. A principal diferença foi o tempo de aprendizado. Crianças maiores, que já passaram pela alfabetização escolar, em geral leem em poucas horas. Porém, dependendo de quanto estão frustradas, demoram para aceitar mais uma tentativa. Já as pequenas têm um ritmo especial, que varia com o humor, o sono, a fome e a concentração. 

Uma criança que lê aos cinco anos ainda terá um ano para aprimorar a leitura e começar a escrever, antes de iniciar o Ensino Fundamental. Porque ler mais cedo não significa pular etapas. Ao contrário, é ter tempo suficiente para adquirir fluência na leitura e autonomia para resolver as questões colocadas pela escola. E, como consequência de uma leitura constante e prazerosa, escrever com facilidade e segurança. Não é o que todo professor precisa numa classe a partir do 2º ano do Ensino Fundamental?

sábado, 24 de março de 2012

O som das letras


Música e linguagem têm vários pontos semelhantes. Na música, os sons se unem em sequência, formando uma frase musical ou uma melodia. Na linguagem falada, da mesma maneira, cada palavra ou frase é formada por pequenos sons que também se unem em sequência. Ambas têm o som como matéria prima, registrados, na forma escrita, por pequenos símbolos: notas ou letras. Ler, então, é transformar cada letra de uma palavra em sons, exatamente como na música: ler uma partitura é transformar as notas escritas em sons. O que nos interessa, neste momento, são os sons, mas os sons das letras.

Na língua portuguesa, com exceção da letra H, todas as vogais e consoantes têm sons. É simples assimilar o som das letras, se relacionarmos cada letra ao som inicial de uma palavra. A letra P, por exemplo, relacionada a PATO e PIPOCA, ou melhor, a letra do PATO e da PIPOCA. Ao substituir o nome das letras por palavras iniciadas pelas mesmas letras, mantêm-se o objetivo do princípio acrofônico*identificar o som que a letra representa — e evita-se que alguns nomes de letras, como M R, por exemplo, dificultem o aprendizado. Então, melhor dizer: a letra da MAMÃE e a letra do RATO.

Em nosso alfabeto, considerando os sons do início das palavras, há letras com um único som, como B, J, I ou U; outras com mais de um som, como A, E, O, G e C e a letra H, sem som algum. As letras D e T podem ter sons distintos nas palavras DEDO e DIA ou TATU e TIAGO, devido a diferenças dialetais, o que não será considerado no momento.


SONS DAS LETRAS NO INÍCIO DAS PALAVRAS
A, dois sons: AZUL, ANZOL
N, um som: NAVIO
B, um som: BONECA
O, dois sons: OVO, ÓCULOS
C, dois sons: CAMA, CEBOLA
P, um som: PIPOCA
D, um som: DEDO
Q, um som: QUEIJO
E, dois sons: ESCOLA, EVA
R, um som: REI
F, um som: FACA
S, um som: SAPATO
G, dois sons: GATO, GIRAFA
T, um som: TAPETE
H, nenhum som: HOMEM
U, um som: URUBU
I, um som: ÍNDIO
V, um som: VIDA
J, um som: JANELA
X, um som: XÍCARA
L, um som: LARANJA
Z, um som: ZEBRA
M, um som: MALA
K, W, Y: letras não relacionadas


Quem orienta a alfabetização precisa saber, com clareza, o que envolve essas pequenas diferenças e mostrar somente o necessário a cada momento do aprendizado. Exatamente como indicar um local num mapa. Há sempre um caminho mais simples e mais curto entre dois pontos, entre outros. Considerando o tempo, trânsito e facilidade de acesso, optamos por um deles. Escolhi o caminho mais simples para alfabetizar. Acabou sendo o mais rápido.

* Ver princípio acrofônico em  O nome das letras